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Era uma vez uma praça...

  • Joana Maria
  • 1 de out. de 2016
  • 7 min de leitura

A história de fé e perseverança de Heber Bedin

Arquivo pessoal

Todos os dias de manhã ao abrir a janela, Rosa Honorio mata um pouco a saudade do filho. Bem em frente à sua casa, localizada no Jardim Elizabeth, está a praça Dr Heber Bedin. Cada flor, cada árvore, cada banco traz a ela lembranças que jamais serão esquecidas. Era naquela praça que seu filho se reunia com os amigos, brincava, estudava, era feliz.

Heber nasceu de uma cesariana em 15 de novembro de 1987, aparentemente uma criança normal apesar do tamanho. Segundo a mãe era tão pequeno que parecia um gatinho. Foi depois que completou três meses de vida, e a mãe passou a introduzir outros alimentos na dieta da criança, que pode notar que havia algo errado com sua saúde. Ele vomitava muito, engasgava tossia e o alimento era eliminado pelo organismo rapidamente, da mesma forma que era ingerido.

Depois de muita luta, de muitos exames e de vender e gastar tudo que tinha, sem descobrir qual era a doença do filho. Rosa conta que por intermédio de uma vizinha que emprestou o dinheiro e indicou um pediatra em Campinas que era professor na PUC. O médico disse que sabia o que o filho de Rosa tinha e pediu um exame, apenas para confirmar e afirmou “Deus te deu um filho especial e você vai ter que ser uma mãe especial, talvez você vai passar mais dias dentro de um hospital que na sua casa”.

Feito o exame foi detectado a fibrose cística; uma doença genética letal, mais comum na infância, que afeta principalmente os pulmões, pâncreas e o sistema digestivo. Depois disso Heber foi internado na PUC, onde fez um tratamento de 20 dias,o qual fez muito bem. Depois disso a criança foi encaminhada a Unicamp onde passou por tratamento até o fim da vida. Rosa conta que tudo melhorou, apesar da doença se agravar ela sabia com o que estava lidando e como tratar.

Foto pertencente ao projeto de TCC da UNIP

O caso Heber foi relatado em um artigo de TCC por alunas de fisioterapia da Universidade Paulista de Sorocaba. As alunas Bianca, Daiany e Vanessa. Segundo resumo do artigo as alunas procuraram mostrar o quanto a fisioterapia era essencial no tratamento de Heber, na época com 21 anos. No projeto elas relatam a convivência do paciente com a fibrose cística, do sonho realizado que foi a habilitação. “Ele e sua mãe têm muita fé em Deus, e agradecem a Ele por tudo conquistado até hoje e que cada dia vivido é uma vitória em sua vida”.

A emocionante história de um milagre

Rosa conta emocionada a história de um milagre que ocorreu na vida do filho. Houve uma explosão numa fábrica de tintas no bairro Jardim Cidade durante a noite. A mãe conta que estavam dormindo quando acordou com um cheiro muito forte. Muitas pessoas no bairro passaram mal, e nesse episódio o pulmão de Heber com apenas dois anos na época ficou muito danificado. Acabou indo para o hospital desacordado.

O médico que atendeu informou que o menino estava com uma pneumonia muito forte, ficou internado e naquela madrugada foi considerado morto pela junta médica. Porém, dentro de sua fé a mãe não acreditou que a criança estava morta. Rosa conta que houve tanta confusão dentro do hospital que um dos médicos chegou a agredi-la, porque ela gritava muito.

Rosa conta que na época era católica não praticante e que não entendia muito de religião. O que ela fazia era gritar para Deus que não levasse o filho. A única coisa que Rosa conhecia era o Salmo 23. Então começou a repeti-lo e quando terminava, diz que ouvia o filho responder “amém”, porém ninguém no quarto ouvia, apenas ela. Foi quando chegou um médico bem alto e entrou no quarto, quis saber o que estava acontecendo, a mãe gritava: “doutor eles estão falando que meu filho está morto, mas ele está respondendo".

Foi quando o médico declamou o Salmo 23 e todos puderam ouvir o menino respondendo. Rosa acredita piamente no milagre, os médicos deram apenas dois anos de vida para seu filho e ele viveu 20 anos a mais. “Então aos dois anos de vida, Deus fez um milagre na vida do meu filho”, repete a mãe emocionada e ainda completa “ele mesmo dizia, eu já sou um milagre, o que eu viver daqui para frente é lucro”.

A despedida de Heber

Heber morreu no dia três de fevereiro de 2010, depois de 22 anos de luta. Segundo a mãe Heber deixou uma lição de vida, apesar da doença era uma criança feliz, cresceu ficou um moço mais feliz ainda. Entre lágrimas a mãe confessa “ele me ensinou a viver, me ensinou a amar, a perdoar, ele me ensinou que o momento é aqui e agora, daqui para frente nós não sabemos, vamos viver esse momento como se fosse o último”.

Segundo edição do Jornal Taperá do dia 13 de fevereiro de 2010, em 22 anos de vida Heber foi atendido por muitos médicos, mas o doutor Augusto Aquino de Pereira, que não era pediatra, se interessou muito pelo caso do Heber e acabou por “adotá-lo”. Deu todo apoio necessário desde os primeiros anos de vida, deu apoio financeiro, presentes e um passeio ao Hopi Hare, para que pudesse se divertir, foi realmente um segundo pai. Conteúdo da homenagem publicada nesse dia, feita pelo médico ao amigo Heber:

“Fui médico de Heber Bedin, uma criança que faleceu de uma doença grave no Hospital Monte Serrat. Gostaria de fazer uma homenagem a ele com uma carta: ‘Ao amigo Heber Bedin – Quando o vi pela primeira vez no corredor do Pronto Socorro, me chamou a atenção. Uma criança magrinha, com respiração difícil, mas com um brilho imenso em seus olhos. Atento a tudo a sua volta. Eu não imaginava que ali estava uma criatura que faria parte importante da minha vida. Ele chegava em todos os meus plantões e ficava na porta espiando, para entrar e conversamos um pouco. Ele trazia a força que muitas vezes me faltava, naquelas horas de cansaço. Enquanto a maioria das crianças estavam brincando, ele estava ali, no hospital, no pronto socorro, onde passou grande parte da sua vida, de sua infância, de sua adolescência. Me lembro de irmos a um parque de diversão, o Hopi Hare. Ele observava tudo com muita atenção e encanto, porém com medo de ir aos brinquedos. Mas era uma criança forte, evoluída, dava risada quando tossia, para ninguém perceber que estava doente, quando a maioria de nós teria uma atitude diferente, mostrando nossa doença e sensibilizar as pessoas. Estive uma única vez na UTI e ele estava dormindo. Não tive coragem de voltar. Não podia mais conversar com ele, leva-lo para o parque. O Heber cresceu e junto com ele a doença, atingiu um grau tão grave que mesmo com sua imensa luta não pode suportá-la. Um abraço ao meu amigo Heber, do tio Amigo’. ”

Na mesma edição A mãe agradeceu o amor que a cidade toda dispensou nos 22 anos de existência do filho, principalmente a dra. Ceumi, diretora do BOS na época, que permitiu que todos os funcionários do hospital pudessem comparecer no velório de Heber. Os agradecimentos se estenderam a todos os profissionais da saúde, a igreja, ao Jornal Taperá, aos amigos, parentes e a todos os saltenses que acompanharam a luta do seu filho.

A praça dr. Heber Bedin

A praça que fica em frente à casa de Rosa era o cantinho de Heber. A mãe conta que como ele não podia caminhar muito por causa da doença. Ele recebia os amigos em casa e logo saiam para dar uma volta na praça. Tudo era ali, sentar, ouvir um som, conversar, estudar. As vezes sentado na praça dizia “mãe, quando eu for prefeito dessa cidade, eu vou colocar meu nome nessa praça”, Rosa afirma que dizia ao filho que para que isso acontecesse ele teria que morrer, mas ele dizia que não, já que seria o prefeito poderia colocar o seu nome na praça.

Depois da morte do filho, uma noite Rosa foi até o portão e viu uma estrela muito brilhante no céu e diz que pensou “ah filho, você está aí, cuidando da sua praça, do seu cantinho, né?”. Foi então que o marido, naquele momento ainda namorado convidou Rosa a buscar por isso, realizar o sonho do filho e colocar seu nome na praça. Eles mandaram o pedido ao vereador João Ramalho e esse levou ao prefeito, houve uma votação na Câmara e todos aprovaram o pedido.

Rosa conta que encontrou alguma relutância por causa de alguns moradores da cidade. Pois apesar de não estar visível a praça já tinha um nome que era ‘Ulisses Guimarães’. Mas enfim, como já havia sido aprovado pelo legislativo, no dia 12 de outubro de 2010 houve a reinauguração da praça, e o nome da praça é Dr. Heber Bedin. Sim, apesar de Heber não ser médico nem ter cursado doutorado.

Quando Rosa foi questionada o porquê do “Dr.” ela contou que, o filho tinha o sonho de ser médico e assim poder tratar e curar as pessoas. Ela conta que no dia da inauguração quando levantou a cobertura do totem nem acreditou. Foi uma falha de algum setor que acabou registrando a praça dessa forma, mas que naquele momento sentiu que era a vontade do filho sendo realizada. Porém em 20 de junho de 2015 houve a reinauguração e o detalhe foi retirado, ficando apenas “Praça Heber Bedin”.

No dia do aniversário de Heber tem festa na praça

Heber nasceu dia 15 de novembro, e nessa data, tem festa na praça. Rosa conta que todos os anos a prefeitura fornece cama elástica, algodão doce, garrafinhas de água, pipoca, castelinho, as vezes vem palhaço. Cada ano acontece de uma forma. As crianças têm tudo de graça. A Loja Cem todos os anos doa presentes, bonés e camisetas. O padrasto compra bexigas, então todos se dão as mãos em um abraço simbólico à praça, alguém canta e quando acaba a música os balões são soltos no ar.

A mãe lembra que não é uma festa de aniversário para o filho, elea apenas está fazendo o que ele sempre fez, o bem ao próximo. Heber gostava de se vestir de papai Noel levar presentes para as crianças no Hospital, no natal e também dia das crianças. Antes de morrer deixou escrito em um bilhete que a mãe nunca deixasse de fazer bem a quem precisasse. “É só uma lembrança e uma festa para as crianças brincarem. Ficam ali das oito ás 12h, se divertem e vão para casa entusiasmados”, completou a mãe.


 
 
 

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